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Fibromialgia e Esclerose Múltipla - A dor incompreendida e incapacitante!

Cristina Fernandes • mai. 12, 2020

Ambas doenças incapacitantes, Fibromialgia e Esclerose Múltipla são por vezes confundidas por apresentarem alguns sintomas em comum. Fibromialgia e Esclorose Multipla compartilham muitos dos mesmos sintomas como dor, dormência, formigueiro, rigidez muscular e perda da função muscular locomotora. Ambas as condições podem ser debilitantes, e ambas compartilham o aumento da incidência de insónia, fadiga, depressão, ansiedade, entre outros quadros associados.

A esclerose múltipla é uma doença neurológica que ocorre pela destruição da bainha de mielina, substância que cobre os nervos. O nosso sistema nervoso comunica-se através de impulsos eléctricos. Por exemplo, quando mexemos a nossa mão, o nosso sistema nervoso envia um impulso eléctrico que sai do cérebro, caminha pela medula, passa para os nervos periféricos e chega até aos músculos da mão, dando o comando para eles se mexerem. Os impulsos também podem seguir o caminho inverso. Todas as sensações que temos do ambientes (temperatura, tato, pressão, dor, etc.) só são percebidas porque as terminações nervosas da pele conseguem captar esses estímulos, enviando-os aos nervos periféricos, medula e, finalmente, cérebro, onde eles serão interpretados. O mesmo se passa com todas as sensações, com os nossos sentires.

Esses estímulos eléctricos que chegam e saem do cérebro precisam ser transportados entre um neurónio e outro. O fio condutor dos neurónios responsável por esta conexão é chamado de axónio, um prolongamento do próprio neurónio capaz de ligar uma célula nervosa à outra. Como qualquer fio eléctrico, os axónios precisam de um isolamento, como se fosse um fio encapado. A substância que fornece esse isolamento e permite a transmissão dos impulsos eléctricos é a bainha de mielina. Na esclerose múltipla, as células nervosas do cérebro e da medula apresentam progressiva destruição de suas bainhas de mielina, provocando a perca de capacidade de transporte dos impulsos eléctricos pelos axónios. Os neurónios centrais deixam assim de enviar e de receber os estímulos eléctricos.

No caso da fibromialgia, não há nenhum dano colateral deste tipo, e enquanto os sintomas são muito reais e dolorosos, não é uma doença degenerativa. A face mais visível da fibromialgia é a dor debilitante que condiciona toda a mobilidade e acção de quem a sente, que, em conjunto com a depressão, muitas vezes desencadeia uma progressão lenta de outros processos que recentemente têm sido associados a fibromialgia.

O diagnóstico de fibromialgia baseia-se na história do paciente, sintomas e o teste de pontos dolorosos. Este teste identifica 18 pontos dolorosos que são altamente sensíveis quando a pressão é aplicada. A dor crónica e fadiga levam a uma incapacidade variável, sendo essa dor e fadiga também influenciadas pelas condições ambientais, emocionais e hormonais. A Esclerose Múltipla é uma doença degenerativa geralmente detectável através de ressonâncias magnéticas e outros testes neurológicos. É uma doença progressiva, causando danos permanentes. Com base em pesquisas internacionais, a incidência da fibromialgia é de 1 a 5% na população em geral. A fibromialgia é mais frequente no sexo feminino, que corresponde a 80% dos casos. Em média, a idade do seu início varia entre 29 e 37 anos, sendo a idade de seu diagnóstico entre 34 e 57 anos. Os sintomas de dor, fadiga e distúrbios do sono tendem a instalar-se lentamente na vida adulta, no entanto, 25% dos casos referem apresentar estes sintomas desde a infância. Há vários sintomas comuns às duas patologias.

Um número significativo de pessoas com fibromialgia e Esclerose Múltipla relatam ter enxaquecas e/ou dores de cabeça tensionais. Um distúrbio no cérebro afecta a produção de substâncias químicas – serotonina e noradrenalina – que desempenham um papel importante na causa das dores de cabeça e da fibromialgia. Até um quarto dos casos de Fibromialgia e de Esclerose Múltipla apresentam doenças inflamatórias auto-imunes – incluindo artrite reumatóide (AR), lúpus, síndrome de Sjögren e espondilite anquilosante. A natureza exacta desta conexão ainda não é compreendida. A fibromialgia não é uma doença inflamatória, mas algumas pesquisas sugerem que a artrite reumatóide e outras doenças inflamatórias podem, de alguma forma, estar ligadas à fibromialgia. A Insónia e outros problemas do sono são comuns em pacientes com fibromialgia e com Esclerose Múltipla. A Síndrome das Pernas Inquietas – impulso irresistível de mover as pernas quando em repouso – pode ser até 11 vezes mais comum em pessoas com fibromialgia do que naquelas que não apresentam a doença. O link entre as duas doenças ainda não é totalmente compreendido, mas muitos tratamentos de fibromialgia também atuam na melhora da Síndrome das Pernas Inquietas. Já foram registados alguns casos deste síndrome em casos de Esclerose Múltipla. A Síndrome do Intestino Irritável é marcada por cólicas abdominais e crises de obstipação e/ou diarreia. O número de pessoas afectadas por essa síndrome alcança 10-20% da população em países europeus ou nos Estados Unidos. Entre os que procuram atendimento médico, a maioria são mulheres, geralmente no final da adolescência ou antes dos 30 anos. Entre 30 e 70% das pessoas com fibromialgia também apresentam a doença. Assim como a fibromialgia, a Síndrome do Intestino Irritável é uma síndrome de dor. Pode estar associada a falhas da função neurológica na diabetes, lesões da medula espinal, esclerose múltipla e alterações metabólicas como hipotiroidismo, síndrome de Cushing, entre outros. Por outro lado, em ambas as condições, há maior propensão a relatos de dor pélvica, irritabilidade na bexiga e cólicas menstruais. Mais da metade das pessoas com Fibromialgia ou Esclerose Múltipla também apresentam questões psicológicas, mentais ou emocionais, como depressão e ansiedade. O deficit de serotonina e norepinefrina está envolvido em ambos os transtornos de humor e dor. A obesidade e a Fibromialgia e a Esclerose Múltipla compartilham uma relação complexa, que não podemos ignorar. Muitas pessoas com estas condições têm vidas sedentárias, devido à sua dor crónica, e a falta de actividade física regular aumenta o seu risco de sobrepeso ou obesidade. Ao mesmo tempo, estar acima do peso ou obeso provoca mais stress mecânico sobre as articulações, o que pode causar mais dor e agravar os quadros reumatóides. Por outro lado o mau funcionamento dos intestinos, muito comum em ambas as doenças, pode ser causa de obesidade também. Apesar de ser comum associar a expressão “Esclerose Múltipla” ao indivíduo de mais idade, que vai perdendo suas capacidades mentais, essa doença nada tem a ver com males como o Alzheimer e outros tipos de demências. A doença atinge duas mulheres para cada homem e é mais comum na faixa dos 20 aos 40 anos de idade. O número de ocorrências é maior nos países distantes da linha do Equador, possivelmente porque nessas regiões as pessoas têm pouca exposição ao sol, havendo vários estudos que apontam a Vitamina D como essencial nos tratamentos. Na Suécia, por exemplo, a prevalência é de 300 casos para 100 mil habitantes. Na cidade de São Paulo, segundo estudo epidemiológico realizado em 2001, a proporção é de 15 para 100 mil.

A esclerose múltipla tem quatro formas de manifestação. A primeira e mais frequente é a do tipo surto-remissão. Ou seja, a pessoa apresenta episódios de alterações de uma função neurológica – uma dificuldade de visão, um formigueiro, uma perda de movimento na perna, por exemplo. Num prazo de cerca de 10 anos, porém, metade desses pacientes evoluirá para a segunda forma de apresentação clínica da doença, conhecida como secundariamente progressiva, isto é, quando os portadores da esclerose já não se recuperam plenamente dos surtos e vão acumulando sequelas. Têm, por exemplo, uma perda visual definitiva ou uma maior dificuldade para andar, precisando de apoio de bengala ou cadeira de rodas. Em outros 10% dos casos ocorre a chamada forma progressiva primária, na qual, sem ter necessariamente surtos, há uma gradual perda das funções. E 5% apresentam a quarta forma da doença, a mais rápida e agressiva. Nela, os surtos combinam-se com a progressão paralela do processo desmielinizante. Se há pouco a fazer depois que o portador de Esclerose Múltipla ou de Fibromialgia entra na fase progressiva da doença, hoje são muitos os recursos para evitar que ele chegue a essa etapa. Ao lado das drogas imunomoduladoras e dos anticorpos monoclonais, é fundamental proporcionar ao paciente o apoio de uma equipe multidisciplinar que, além do neurologistas, inclui profissionais de fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia, psicoterapia com recurso a hipnose e enfermagem.

As chamadas terapias complementares de 3ª geração, como o exercício da compaixão, a meditação e o Reiki começam agora a ser integrados numa abordagem multidisciplinar de cada paciente. Há que não esquecer o importante peso que uma alimentação equlibrada mas fundamentalmente adequada a cada caso e acada individuo pode ter no seu bem estar. Esta estrutura é importante sob todos os pontos de vista, inclusive para ajudar o paciente a aceitar a doença, a lidar melhor com a sua condição e eventuais limitações, além de permitir constantes reajustamentos da medicação e doses prescritas , reduzindo os efeitos secundários e estimulando uma resposta mais rápida ao tratamento.

A hipnose é largamente utilizada no controlo da dor crónica, promovendo um relaxamento muscular e mental e produzindo vários fenómenos que influem na produção bioquímica do nosso cérebro, podendo mesmo aumentar por exemplo os níveis de serotonina e oxitocina de uma forma natural.

A Hipnose é um estado alterado de consciência ampliada, onde o sujeito se encontra acordado, mas com a sua atenção intensamente focada e direccionada. É um estado de consciência alterado porque pode apresentar sensações físicas modificadas e ampliado pois pode perceber emoções e imagens inconscientes.

No estado de Hipnose é possível:

A Dissociação da Mente: capacidade de se auto-observar, pensando e observando ao mesmo tempo que sente, ou seja, como se estivesse dentro de um filme a agir e sentado na plateia a assistir a tudo. Este estado permite uma abrangência da perspectiva sobre uma memória ou facto da vida presente, facilitando a sua ressignificação e consequente arrumação no nosso esquema cognitivo da realidade.

A Catalepsia: A pessoa pode sentir o seu corpo pesado, mais parado, com movimentos lentos. Ou pode sentir-se mais leve, num estágio mais profundo do transe.

A Analgesia: A pessoa pode sentir uma dormência, que retira a sensação de dor. Esta dormência pode ser de extremidades ou ao longo de todo o corpo. Ela pode inclusivamente migrar de um lugar do corpo a outro através da sugestão.

A Anestesia : A pessoa pode deixar de sentir partes do corpo.

Alucinações : Através do relaxamento e da sugestão, recorrendo à imaginação e á nossa capacidade natural de nos projectarmos em cenários que não existem na realidade percepcionada pelos 5 sentidos básicos, a pessoa pode ter imagens, ver lugares, cores, brilhos, ouvir coisas. Trata-se da utilização da visualização ou, no caso dos cinestésicos, pede-se que sintam, lugares, imagens ou sensações. Todos o fazemos natural e automaticamente, contudo em alguns casos é necessário treino mental para que a pessoa perceba que esta é uma capacidade sua, natural e por si controlada, libertando-a da necessidade de fazer o esforço para o conseguir, o que sabota toda a experiência.

Fenómenos ideomotores: A pessoa pode movimentar partes do corpo e ter espasmos musculares dos quais não se apercebe, que revelam não só pontos de tensão mas também indicam a profundidade do transe.

Amnésia e Hipermnésia: A memória de dor pré-establecida pode ser atenuada e em alguns casos apagada. Podem ser sugestionados momentos muito agradáveis que a pessoa já viveu e através dessa memória diluir a memória da dor. Funciona como técnica de distracção.

Regressão : acedendo a memórias armazenadas no inconsciente da pessoa, acedemos aos traumas que a pessoa tem. Estes fenómenos hipnóticos são alcançados através da indução de um relaxamento e podem auxiliar no tratamento da Fibromialgia e da Esclerose Múltipla.

A hipnose proporciona um alívio quase imediato da percepção dos sintomas, através do relaxamento. A psicoterapia breve foca-se no alívio do sintoma mas busca também em simultâneo quais os factores que levaram aquele individuo a este quadro de dor. De que forma a sintomatologia apresentada é a somatização de um estado ou conflito vivido em alguma área ou várias áreas da vida daquela pessoa, algo que até pode decorrer da perspectiva que a própria tem da realidade que a cerca – não vemos a realidade como ela é, mas sim como nós somos. Parte-se assim da premissa que que todo sintoma é uma tentativa de solução que no caso da fibromialgia e da Esclerose Múltipla, usa o corpo para expressar, ou melhor, para libertar o que está reprimido lá dentro. Contudo, cada indivíduo é um ser humano único. Há assim toda uma terapia que é feita à medida de cada caso, utilizando-se as ferramentas terapêuticas mais adequadas a cada um. Cristina Fernandes

Bibliografia:

Com base num artigo de Charles Peter Tibery

Esclerose Múltipla no Brasil: Aspectos Clínicos e Terapêuticos - Charles Peter Tilbery, neurologista

Coraçao Sente, o Corpo Doi, O: Como Reconhecer e Tratar a Fibromialgia - Evelin Goldenberg

Biologia da Desmielinização e Remielinização a Base da Esclerose Múltipla - Alexandre Costa Quintana

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