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O sinistro Peter Pan

Cristina Fernandes • fev. 22, 2022

A história de Peter Pan é bastante famosa nos dias de hoje, mas também esconde um grande segredo de que poucas vezes ouvimos falar. Se, tanto quanto nos foi possível apurar, a figura e as suas histórias não são baseadas em qualquer mito, lenda ou tradição oral - serão, portanto, somente uma criação do inglês J. M. Barrie nos primeiros anos do século XX - a forma como a história chegou aos nossos dias, em versões como a da Disney, está muito sanitizada, censurada, esquecendo "misteriosamente" alguns elementos mais estranhos da obra original.

Esta agora-famosa história é contada em duas obras da autoria exclusiva de J. M. Barrie, Peter Pan in Kensington Gardens e Peter and Wendy. Quem quiser conhecê-la por completo deverá ler ambas, mas quando o fizer acabará por encontrar faces muito sinistras da história que, naturalmente, parecem ir desaparecendo ou sendo amenizadas nas versões mais modernas.

Por exemplo, o primeiro desses livros conta as origens de toda esta figura. E quem é ele? Uma criança com menos de um ano de idade que fugiu de casa da mãe, esvoaçando, e que passou a viver escondido nos Kensington Gardens londrinos. Até aqui tudo bem, é apenas uma história de fantasia, mas mais à frente o herói começa a sentir falta da sua mãe e decide visitá-la. Encontra-a ainda a chorar, com a janela de casa ainda aberta, etc., e então decide fazer uma derradeira aventura e voltar mais tarde. Retornando depois, encontra a mãe no mesmo quarto, já feliz, com um novo filho nos braços - e, repita-se, até aqui tudo bem - mas tendo posto barras de ferro na janela do quarto, para que nada possa entrar ou sair. Nesse sentido, o herói sente que a mãe se esqueceu dele, tal como o leitor provavelmente já se terá esquecido que está a ler uma história para crianças.

Na mesma história, Peter Pan conhece também uma menina de quatro anos, chamada Maimie Mannering, e têm algumas aventuras juntos. Trocam dedais e beijos, até que o herói lhe pede para casar com ele. Ela rejeita, dizendo que iria ter saudades da mãe, mas continua a voltar aos jardins de tempos a tempos, deixando prendas ao antigo amado. E vai crescendo... mas o herói, esse, continua sempre com a idade que tinha originalmente - ou seja, acabaram de testemunhar uma história de amor entre um menino com menos de um ano (recordem-se, ele não envelhece!), e uma menina de quatro anos que, quando vai crescendo, mantém uma espécie de paixão por uma figura estranha que conheceu há anos e que se mantém igual ano após ano.

Poderíamos estar a tentar ver mal onde não o há, mas quem conhecer a história presente na segunda obra notará que estes temas se mantêm - Wendy terá cerca de 12 anos, o herói não envelhece (será que continua com um ano de idade?! Não é claro), eles têm aventuras juntos na Terra do Nunca, no final os restantes Meninos Perdidos acabam adoptados pela família Darling, mas a figura que dá o nome a estas histórias, essa, volta sozinha para o local de onde vinha e parece esquecer esta jovem. É novamente abandonada (quantas mais vezes o terá sido?!), e parece esquecer também esta companheira. Isto até que, muitos anos mais tarde, quando Wendy já é mais velha e tem uma filha, aparece subitamente e parece querer levar a menina em novas aventuras... quantas mais crianças terá ele levado consigo, e trazido depois de volta à medida que se tornam mais velhas?!

Quando os Irmãos Grimm censuraram muitas das histórias que recolheram, talvez tenham tido uma certa razão no que faziam. Há um conjunto de possíveis leituras muito inquietantes em algumas histórias que nada têm de infantis, bem pelo contrário, falam-nos de aspetos inconscientes da psique humana.

Nesta narrativa temos vários... e eu pergunto-me quais o leitor identifica desafiando-o a comentar e assim podermos explorar mais profundamente esta temática.

Cristina Fernandes

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